Cartas a um novo convertido - 2 - Nosso lugar perante Deus

Nosso lugar perante Deus

Woburn Square
Prezado irmão,

Estou um pouco preocupado em pensar que você, que agora sabe que tem paz com Deus, e que deveria estar contente, venha a se acomodar, achando que essa bênção é tudo o que Deus proveu para você em Cristo. Muitos caem neste engano, e por conseguinte nunca compreendem a posição na qual foram introduzidos.

Permita-me, então, lembrá-lo de que, apesar da grandiosidade dessa bênção, a qual você dever estar desfrutando agora, os pensamentos e desejos de Deus a seu respeito vão infinitamente além disso. Posso tornar isto mais simples chamando a sua atenção mais uma vez para o fundamento. A base de tudo encontra-se na cruz de Cristo, pois foi ali que Ele pôde satisfazer, em nosso favor, tanto os requisitos exigidos pela santidade de Deus, como também glorificá-Lo em cada atributo de Seu caráter. É a isto que o Senhor Jesus Se referia quando disse: "Eu glorifiquei-Te na Terra, tendo consumado a obra que Me deste a fazer" (João 17.4). E foi com base nisso, como já tendo resolvido uma demanda de Deus, que Ele orou: "E agora glorifica-Me Tu, ó Pai, junto de Ti mesmo, com aquela glória que tinha Contigo antes que o mundo existisse" (João 17.5).

Portanto, como você poderá perceber, Deus mostra a importância que deu à obra consumada na cruz, pelo fato de haver feito Cristo assentar à Sua direita. Podemos dizer ainda que nada menos do que isso poderia ter sido considerada uma resposta adequada à exigência de Deus que Cristo cumpriu através de Sua obra consumada. E certamente nada menos poderia ter satisfeito o coração de Deus; pois quem poderá jamais imaginar o Seu gozo ao intervir levantando Cristo de entre os mortos, colocando-O à Sua direita, e dando-Lhe, ainda, "um Nome que é sobre todo o nome"? "Pelo que também Deus O exaltou soberanamente, e Lhe deu um Nome que é sobre todo o nome; para que ao Nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai" (Filipenses 2.9-11).

Observe, então, com muito cuidado, estas três coisas: Primeiro, o lugar agora ocupado por Cristo na glória é fruto de Sua obra redentora; segundo, Cristo ocupa esse lugar como Homem; e, por conseguinte, terceiro, Ele está ali em favor dos que são Seus. As consequências são que Deus nos levará para o mesmo lugar; que a glória de Deus está empenhada em dar aos crentes o mesmo lugar de aceitação perante Si; e - isto mesmo! - que o Seu coração se compraz em reconhecer, também deste modo, a obra e o valor do Seu Filho amado. Portanto, todo crente encontra-se agora diante de Deus em virtude da eficácia da obra de Cristo, desfrutando ali de toda a aceitação que a própria Pessoa de Cristo desfruta. Deste modo, o crente desfruta de uma posição de perfeita proximidade de Deus, e é ainda objeto da perfeita bondade de Deus; pois ele é introduzido - e efetivamente está - na presença de Deus em Cristo Jesus.

Agora gostaria de levar você a examinar algumas passagens que comprovam plenamente as afirmações acima. O versículo que vem logo em seguida àquele que ocupou nossa atenção na última carta encaixa-se perfeitamente aqui. "Sendo pois justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo"; e então o apóstolo continua: "Pelo qual também temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança da glória de Deus" (Romanos 5.1,2). Dessa forma, quando cremos, não somente temos paz com Deus, mas temos também acesso, por meio de Cristo, a esta graça na qual estamos firmes. Isto é, somos introduzidos no completo favor de Deus - transportados para a sempre radiante luz da Sua presença, onde podemos nos regozijar na esperança da glória de Deus - pois tudo já foi estabelecido e assegurado.

Por meio da fé em Cristo - e fé nAquele que ressuscitou Jesus nosso Senhor de entre os mortos - somos levados a uma posição tão perfeita e tão segura que, apesar das tribulações, dificuldades e perigos de nosso caminho por este deserto, podemos nos regozijar na esperança - na firme e inabalável perspectiva - da glória de Deus. Poderemos sofrer tribulações, como o apóstolo segue dizendo em sua carta, mas, se assim ocorrer, podemos nos gloriar até nas tribulações, "sabendo que a tribulação produz a paciência, e a paciência a experiência, e a experiência a esperança. E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado" (Romanos 5.3-5).Foi esse o amor que Deus demonstrou ter, e nos deu; foi nesse mesmo amor que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. E se, sendo nós ainda pecadores, nos reconciliou com Deus pela morte de Seu Filho, quanto mais somos levados a concluir que seremos salvos - salvos completamente, inclusive com a redenção de nosso corpo (Romanos 8.23) - por Sua vida, a vida do Salvador ressurreto e assentado à direita de Deus. E não apenas isto, mas também nos regozijamos em Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio de Quem recebemos agora a reconciliação (Romanos 5.3-11). Sendo assim, temos como nossa presente porção o amor de Deus derramado em nossos corações, nos regozijamos nEle, ocupamos perante Ele um lugar de perfeito favor e nos gloriamos na esperança da glória de Deus.

Mas isso ainda não é tudo. Na mesma epístola, não apenas somos ensinados que nossa culpa se foi para sempre no exato momento em que cremos em Cristo, que somos justificados, etc., mas também nos é mostrado que somos totalmente transportados, por meio da morte e ressurreição de Cristo, a um novo lugar - um lugar fora de nossa carne, pois estamos "em Cristo" diante de Deus. A parte seguinte da epístola ou carta de Paulo, começando no versículo 12 deste capítulo e terminando no capítulo 8, fala deste assunto. Você irá notar, em primeiro lugar, que tudo tem início ou a partir de Adão ou a partir de Cristo, as duas cabeças; o primeiro homem Adão, e o segundo homem Cristo (Romanos 5.12-21). A consequência é que todos estão, ou em Adão, ou em Cristo, e é quase desnecessário dizer que a diferença entre estarmos em Adão ou em Cristo depende se ainda somos incrédulos ou se já somos crentes. Se, pela graça de Deus, somos crentes, então estamos em Cristo. Sendo assim, há certas consequências benditas que desejo indicar rapidamente, deixando então que você fique à vontade para meditar mais neste assunto.

A primeira coisa que o apóstolo nos lembra é que a posição em que nos encontramos - a posição que assumimos por meio de nosso batismo - demonstra que professamos estar mortos com Cristo, e isto, como pode ser observado em Colossenses 3.3, aplica-se a todos os crentes diante de Deus. Se você ler cuidadosamente o capítulo 6 de Romanos, irá logo perceber que o apóstolo incita a nossa responsabilidade sobre este fundamento. Portanto, o meu velho eu saiu da vista de Deus assim como aconteceu com os meus pecados, caso contrário o apóstolo não poderia ter afirmado, como o fez em Romanos 6.11: "Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor".

No capítulo seguinte ele ensina que "vós estais mortos para a lei pelo corpo de Cristo" (Romanos 7:4), e isto, após discutir o efeito da aplicação da lei a alguém despertado pelo Espírito de Deus, abre o caminho para descortinar a presença constante do pecado na natureza e a total incompatibilidade entre a nova e a velha natureza (Romanos 7:13-25), o que nos leva a uma declaração completa da verdade com respeito ao crente. "Portanto", continua ele, "agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus" (Romanos 8.1), tão completa é a libertação, assim como o perdão, que temos em Cristo. "Vós, porém, não estais na carne, mas no espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós" (Romanos 8.9). Ele nos mostra, deste modo, que a posição do crente não é na carne, não no primeiro homem - Adão - mas o crente permanece diante de Deus em um lugar que é caracterizado como estando no Espírito. Isto é, o Espírito, e não a carne, caracteriza a existência do crente diante de Deus, pois na morte de Cristo a natureza má do crente também foi julgada; pois "Deus, enviando o Seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne" (Romanos 8.3). 

Assim, após apontar mais essas benditas consequências de sermos habitados pelo Espírito, o apóstolo declara que "todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por Seu decreto. Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de Seu Filho; a fim de que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos" (Romanos 8.28,29). Então ele pergunta: "Se Deus é por nós, quem será contra nós?" (Romanos 8.31), ao que responde lembrando que Deus, ao entregar o Seu Filho à morte por nós, provou-nos que também nos dará livremente todas as coisas. Isso leva o apóstolo à triunfante conclusão de que nada pode servir de acusação contra os eleitos de Deus; que se o próprio Deus os justificou, nada poderá condená-los; que se Cristo morreu e ressuscitou, estando bem à direita de Deus para interceder por nós, nada "nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor" (leia Romanos 8.31-39).

Portanto seria um grave erro você parar no capítulo 5 de Romanos, se quisesse conhecer a plenitude da graça de Deus e o tremendo caráter da salvação que Ele concede; pois a menos que leiamos até o capítulo 8 de Romanos, nunca saberemos o que é verdadeiro para nós e a nosso respeito diante de Deus - a completa e perfeita libertação que cada crente tem em Cristo, mesmo que ignore isso. É também da maior importância que você possa notar que essas bênçãos que foram assinaladas não estão associadas a nossos esforços para consegui-las. Tudo o que mostrei é a porção que possui todo aquele que clama "Aba, Pai"; a porção que pertence a cada recém-nascido em Cristo, quer ele saiba ou não.

Há ainda muita coisa além disso, e se você der uma olhada em Efésios eu lhe mostrarei, em poucas palavras - pois não tenho intenção de prolongar esta carta - o pleno caráter do lugar que o crente ocupa diante de Deus. Olhe, em primeiro lugar, para as maravilhosas expressões do primeiro capítulo: "Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, O qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo; como também nos elegeu nEle antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dEle em caridade [amor]; e nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para Si mesmo, segundo o beneplácito de Sua vontade, para louvor e glória da Sua graça, pela qual nos fez agradáveis a Si no Amado" (Efésios 1.3-6). Preste atenção em cada uma das sentenças que coloquei em realce e você verá como é perfeito o nosso lugar diante de Deus. Pois Ele nos abençoou com todas as bênçãos espirituais...; e Seu propósito era que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dEle em amor; e nos fez agradáveis a Si no Amado.

No capítulo seguinte (Efésios 2) temos a maneira como fomos introduzidos nos lugares celestiais. "Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo Seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com Ele e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus" (Efésios 2.4-6). Aqui somos considerados como havendo estado mortos em pecados; Cristo é visto nesta epístola aos Efésios como tendo descido àquela condição - morto - como de fato ocorreu, no lugar do pecador. Deus, sendo rico em misericórdia e agindo segundo o Seu próprio coração de amor veio, em graça, e nos vivificou juntamente com Cristo. E então nos ressuscitou e nos fez assentar juntamente com Cristo nos lugares celestiais, o que significa que transportou-nos à Sua própria presença. Portanto, o nosso lugar atual - mesmo enquanto ainda estamos em nosso corpo - é agora nos lugares celestiais em Cristo Jesus. Nada menos do que isso expressa a plenitude da Sua graça ou satisfaz o Seu coração.

Há mais uma passagem que gostaria de trazer a você antes de terminar: "Qual Ele é, somos nós também neste mundo" (1 João 4.17). Assim como Cristo é, ali à direita de Deus - a alegria e o gozo do coração de Deus - ali também em toda a perfeição da Sua Pessoa e em todo o doce aroma do Seu sacrifício, assim também somos nós neste mundo; pois estamos firmados não em nós mesmos, mas em Cristo, sendo, por esta razão, dotados de toda a aceitação e odor suave que Ele mesmo tem diante de Deus.

Que o Senhor nos conceda um maior reconhecimento do lugar no qual, por Sua inexprimível graça, fomos introduzidos em Cristo Jesus.

Edward Dennett

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Breve Biografia de Edward Dennett

Edward Dennett nasceu em Bembridge, Isle of Wight, em 1841 e partiu para estar com o Senhor em Croydon em Outubro de 1914. Ele se converteu ainda jovem por intermédio de um clérigo piedoso e sua família pertencia à Igreja Anglicana, a qual ele abandonou por convicções pessoais.

Graduou-se pela London University e assumiu o posto de ministro de uma congregação Batista em Greenwich. Após adoecer gravemente foi enviado à Suíça em Março de 1873 para tratamento e, enquanto estava em Veytaux, reconheceu que sua posição contra os "Plymouth Brethren" e o livro que escreveu criticando o movimento não tinham fundamento bíblico.

De volta à Inglaterra apresentou suas convicções à congregação que dirigia e deixou-a. Depois de estudar os ensinos dos "irmãos" e compará-los com as Escrituras, entrou em contato com William Kelly e acabou tomando seu lugar em comunhão. Dennett trabalhou na obra do Senhor na Inglaterra, Escócia, Irlanda e também visitou a Noruega, Suécia e América do Norte.

Um acervo das obras de Edward Dennett em inglês pode ser encontrado na Bible Truth Publishers (em formato impresso ou digital) e em Stempublishing (digital).